Anton Suibert Hellinger nasceu em Leimen na Alemanha em 16 de dezembro de 1926 e faleceu recentemente em 19 de setembro de 2019. Vocacional presta homenagem a esse gênio da Psicologia Sistêmica, pai das Constelações Familiares, publicando sua biografia.
Anton Hellinger nasceu numa família católica e aos 10 anos ingressou numa escola-monastério onde mais tarde se formaria padre. Depois de ter combatido na 2ª grande guerra mundial, Bert retornou à Alemanha e estudou filosofia e teologia. Após ser ordenado padre, foi enviado como missionário aÁfrica do Sul, sob o nome de Suitbert, para trabalhar com as tribos Zulus. Uma vez em África, teve oportunidade de continuar seus estudos e formou-se em Artes e em Educação, vindo a se tornar professor, depois diretor de escola e finalmente responsável por uma diocese onde capitaneava 150 escolas públicas.
Nos 16 anos que passou na África, Hellinger participou de incontáveis dinâmicas de grupo, treinamentos e eventos tanto ecumênicos quanto interraciais, organizados por clérigos anglicanos que já trabalhavam sob uma orientação fenomenológica. Hellinger ficava admirado de como os treinadores eram preocupados em reconhecer as diferenças presentes na essência da diversidade local, lidando com elas sem medo, sem restrições, sem intenções ou pré-conceitos, baseando-se apenas no que ali emergia. Estava ali o início do seu interesse por dinâmicas de grupo e fenomenologia.
Hellinger acabou se desligando do sacerdócio e retornando à Alemanha para estudar. Iniciou seus estudos em Gestalt terapia e logo mudou-se pra Viena para estudar Psicanálise na Associação Vienense de Psicologia Profunda, completando sua formação no Instituto de Formação Psicoanalítica de Muniche. Em 1973, mudou-se para a Califórnia a fim de estudar terapia Primal com Arthur Janov, onde deparou-se com a dimensão sistêmica dos sentimentos e dos destinos funestos; e como ele mesmo dizia, ali aprendeu a forma de lidar com as emoções. Passou alguns anos estudando com diversos profissionais como Eric Berne da Análise do Script, que se baseia nos padrões encontrados nos contos de fadas e histórias infantis, que também se avizinhavam da dimensão sistêmica.
De volta à Alemanha, trabalhou um bom tempo com aqueles modelos terapêuticos e foram precisos mais de dez anos pra que começasse a estudar terapia familiar. Participou então de seminários com Ruth McClendon e LesKadis, depois com TheaSchonfelder e, já nos idos de 1980 Hellinger, através sempre da observação das relações humanas dentro dos sistemas familiares, se deu conta de que, assim como na natureza, há princípios muito simples, aos quais ele chamava de ordens, que também afetavam os sistemas familiares. Tais ordens regem as relações entre seus membros e, no caso da família, se baseiam ou se ancoram sempre em leis do amor. Ali nasciam as Constelações Familiares.
Cabe complementar que enquanto dinâmica de grupo, o método das CF foi precedido de algumas escolas e experiências importantes de outros profissionais. Como nos explicita Ursula Franke, psicoterapeuta clínica e consteladora, em seu livro El rio nunca mira atrás (5), entre elas está o psicodrama, uma forma de psicoterapia baseada na representação de papéis, criada por Jacob Levy Moreno (1889/1974), romeno, médico, psiquiatra, sociólogo e teatrólogo. Outro trabalho que precedeu às CF é o de Virginia Satir (1916/1988), americana, educadora infantil, assistente social e terapeuta, criadora da biografia ereconstrução familiar e outras técnicas terapêuticas que permitiam ao cliente fazer descobertas sobre suas famílias e raízes psicológicas. Considerada a mãe da terapia familiar, Satir empregava suas técnicas tanto para casais, quanto para famílias e grupos. O terceiro trabalho citado por Franke como antecedente às CF é o de Ivan Boszormenyi-Nagy (1920/2007), húngaro-americano, psiquiatra, psicoterapeuta e terapeuta familiar, criador da terapia contextual. Boszormenyi-Nagy estudou milhares de famílias e chegou à conclusão que suas relações estão pautadas numa dinâmica ética existencial profunda. A tais conexões, que não podem ser reconhecidas na superfície, Boszormenyi-Nagy deu o nome de lealdades invisíveis e verificou que as bases que as sustentam são a lealdade, o equilíbrio, o mérito e o direito.
Como nos elucida Franke, todas essas técnicas se conectam ao método das CF através de suas origens filosóficas. O que difere a aplicação das CF de Hellinger, é que essa se encontra na categoria das terapias breves, dado que a solução pode ser dada num curto período de tempo. A CF não só representa uma evolução nas dinâmicas terapêuticas em grupo como também uma espécie de sincretismo de tudo que veio antes. Sem contar o fato de que se adequa muito bem ao mundo atribulado de hoje, em que não só necessitamos resolver problemas de modo prático e accessível, como também precisamos de eficiência e resultado. Pude atestar não só em mim mesma, que já participo dessas dinâmicas há mais de quinze anos, como em muitos clientes que encaminhei a outros consteladores antes de me formar, a excelência das CF em solucionar emaranhados sistêmicos. Isso não invalida de maneira alguma a eficácia de outros métodos ou técnicas terapêuticas. Há muitos indivíduos que os necessitam, assim como outros tantos que desejam desenvolver um processo terapêutico em busca de sua individuação.
Gostaria de pontuar algumas características que me fascinam no trabalho de BH com as CF. A primeira é a simplicidade e a naturalidade presentes na abordagem, que farão com que se compreenda a organicidade, as leis e as ordens do amor presentes num sistema familiar também de forma simples, natural e direta. A outra é a questão fenomenológica que norteia as CF.
Comecemos pelas Ordens ou Leis do amor, que são apenas três:
– a necessidade de pertencimento é decorrente da vinculação e esclarece que todo membro de um sistema tem o mesmo direito de pertencer a ele. O sistema não se sustenta e seu tecido se esgarça quando há qualquer tipo de exclusão. Assim como num conto de fadas, se houve algum dano, ele precisa ser reparado. E o sistema como um todo, ou a alma do sistema, vai trabalhar pra que haja uma compensação, uma reparação do dano seja nesta geração, seja numa geração futura.
– a necessidade de haver equilíbrio entre o dar e o receber. Segundo BH, nós nos sentimos credores quando damos e devedores quando recebemos: o equilíbrio favorece os relacionamentos e seus membros podem encontrar paz quando sentem que a troca é equivalente e justa. Essa troca é o cerne dos relacionamentos, promove felicidade e mantém o fluxo de abundância funcionando: um volume grande de doações e recebimentos nos torna ricos.
– a necessidade de ordem, de respeito à hierarquia ou de segurança é proporcionada pelas convenções sociais às quais o grupo pertence e acredita. Entende-se por ordem o conjunto de regras e convenções sociais que rege a vida comunitária de um grupo social e que representam o modelo que todos os seus membros aceitam, embora varie de grupo pra grupo: os que aceitam tais convenções pertencem ao grupo, os que não as seguem logo o deixam ou são excluídos (2, cap. 1).
BH nos ensina que todas essas leis governam e são governadas pelo amor. Os relacionamentos são bem-sucedidos quando conseguimos atender a essas necessidades. Ao contrário, quando não conseguimos, nossos relacionamentos íntimos passam a ser problemáticos e destrutivos. Essas necessidades limitam nossos relacionamentos, mas também os tornam possíveis, pois refletem e facilitam a necessidade fundamental que temos de nos relacionar intimamente. E norteiam os sentimentos de culpa e inocência: quando fazemos algo que ameaça ouprejudica nossos relacionamentos, nos sentimos culpados; ao contrário, quando nossas ações os beneficiam, sentimo-nos livres de culpa ou ainda, inocentes, segundo BH. Chamamos de consciência pessoal essa experiência de culpa ou inocência que permeia nossos relacionamentos e que os beneficia ou prejudica. A necessidade de pertinência, o equilíbrio entre o dar e o receber e o respeito ao lugar que cada um ocupa no sistema caminham juntos para preservar a vida.
A segunda característica que me fascina no trabalho com as CF é a questão fenomenológica. A fenomenologia é o estudo daquilo que se mostra. Esse método foi fundado pelo matemático, filósofo e lógico Edmund Husserl (1859/1938), que estabeleceu os principais conceitos que depois seriam amplamente desenvolvidos por vários outros filósofos tais como Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre, Foucault, por exemplo, dando origem a diversas correntes dentro da fenomenologia. BH utiliza o sentido mais original da fenomenologia, ou seja, utiliza tudo que é informado pelos sentidos, imagens, olhares, ações e reações que emerjam dentro do sistema no campo das CF. Tudo o que possa constituir a experiência em foco é a realidade daquela pessoa (o constelante) e sua consciência naquele momento.
Para BH, a fenomenologia é um dos pilares de seu método. A esse respeito ele dizia: diante da CF, que é a maneira como o cliente a monta, eu olho pra todos, inclusive os ausentes e, de repente, reconheço o que está por trás do fenômeno. Ali se concentra algo que é fundamental para o comportamento das pessoas daquela família. O essencial não é visível. Mas aparece assim, subitamente, através da observação de um comportamento, de um olhar, dos sentimentos dos participantes. Eu me exponho a esse contexto assim como se apresenta, sem tentar compreendê-lo a priori, sem a intenção de ajudar ou de provar algo; e sem medo do que poderá vir à luz. Portanto, é uma abordagem fenomenológica.
E o fenômeno que ocorre é justamente os representantes escolhidos pelo constelante virem a se portar como os membros originais do seu sistema familiar, o que permite que os emaranhados sejam trazidos à luz, de forma inesperada, surpreendente e imprevisível. Tal fenômeno se dá através dos campos mórficos presentes nos sistemas.
O que são campos mórficos? Os campos mórficos, tal como os campos conhecidos na Física, são regiões não materiais de influência que se estendem no espaço e se prolongam no tempo. Quando um sistema organizado particular deixa de existir (…), seu campo organizador desaparece do lugar específico aonde existia. Mas, num outro sentido, os campos mórficos não desaparecem: são padrões de influência organizadores potenciais, susceptíveis de se manifestarem fisicamente de novo, noutros tempos e noutros lugares, onde e sempre que as condições físicas forem apropriadas. Quando é o caso, manifestam uma memória das suas existências físicas anteriores. O processo pelo qual o passado se torna presente no seio dos campos mórficos se chama ressonância mórfica, que por sua vez, implica na transmissão de influências formativas que ocorrem com base na lei da semelhança, através do espaço e do tempo. Quanto mais um organismo for semelhante a organismos anteriores, maior será sua influência por meio da ressonância mórfica. A memória dos campos mórficos é cumulativa e é ela que torna todas as espécies de fenômenos cada vez mais habituais, por repetição (9, pág. 15).
A natureza dos campos é inevitavelmente misteriosa, segundo seu pesquisador e conceituador Rupert Sheldrake (1942), biólogo, bioquímico, parapsicólogo e escritor britânico, que afirma que ainda há muito a ser explorado nessa matéria. Mas também declara que os organismos possuem um aspecto intrinsecamente histórico que herdam de seus antepassados e que lhe são transmitidos pela memória inerente aos campos mórficos. Como biólogo, Sheldrake iniciou sua observação pelos organismos da natureza animal e vegetal, mas em seu livro A Presença do passado, o cientista vai muito mais longe e chega a analisar as sociedades e culturas humanas: os campos mórficos sociais e culturais são da mesma natureza geral dos campos morfogenéticos das moléculas proteicas, dos salgueiros ou embriões de frango, ou do campo comportamental das aranhas ou dos melharucos azuis (…). Os esquemas sociais e culturais humanos (…) se exprimem através dos campos mórficos em sistemas de vários níveis de complexidade e tal como os campos mórficos de outros tipos, são estabilizados pela ressonância mórfica de sistemas semelhantes anteriores (6, pág. 330) E termina afirmando que esse princípio lança uma luz nova sobre a transmissão dos padrões sociais e culturais, ainda muito mal compreendida. Ao desenvolver suas ideias, Sheldrake revisita alguns filósofos e pensadores que trataram de temas como consciência coletiva, entre eles S. Freud e C. G. Jung, que já afirmavam que essa herança mental coletiva é transmitida de forma inconsciente (7).
As primeiras experiências que tive com CF me remeteram imediatamente à noção de inconsciente coletivo de Jung e reconheci a lei de sincronicidade em operação, que também está presente nas CF. Mas confesso que em certo sentido, a teoria dos campos mórficos esclarece por outras vias não só os fenômenos que ocorrem no campo das CF, como os fenômenos das teorias psico-analíticasjunguianas. Campo e sincronicidade terminam sendo a mesma coisa!
Poderíamos discorrer muito mais sobre as incríveis descobertas de Sheldrake no âmbito dos campos mórficos, mas isso não diminuiria o nosso espanto ao ver uma CF em ação. E nem impressionam a BH, que não se atem muito a teorias e prefere se entregar mais aos fenômenos que emergem no campo das CF, sem ficar tentando explicá-los. E como comenta Gabrielle tem Hövel em seu livro-entrevista com BH, os grandes propósitos da educação e das terapias que objetivam o esclarecimento parecem pálidas, arrogantes e sem força quando comparadas à linguagem simples de Hellinger. E tem mais. Esse Hellinger não tem a mínima pretensão de saber muita coisa! (1, pág. 9) E parece ser verdade: os que tiveram oportunidade de conhecê-lo mais estreitamente ressaltam a humildade e a simplicidade com que BH coloca a si mesmo e ao seu trabalho. Ambos são simples como suas ideias e como a vida é.
Na ultima década, Hellinger acabou se casando de novo com Sophie e juntos criaram a Hellinger Science, uma escola de formação em CF, que nasceu na Alemanha, mas que se estendeu aos países que mais abraçaram as CF no mundo, México e Brasil.
O tema das CF, mais do que um método, é uma filosofia de vida. Ao me aprofundar nele, passei a compreender melhor os significados do trinômio Lua/Sol/Ascendente no mapa natal individual, a valorizar ainda mais a força do complexo lunar (o passado) e a me conscientizar do quanto é preciso ajudar o cliente a se des-envolver dele em alguns casos para que possa empreender o seu real destino e achar seu lugar no mundo. Para encerrar, declaro que as CF me capturaram profundamente porque elas atuam na mesma frequência que a Astrologia, que também é sistêmica. Tal como a Astrologia, a CF é um experimento sutil e solar-netuniano, que tange o sagrado, o numinoso, o sublime!
Algumas frases que BH pronunciava com frequência:
– Se você quer que o amor floresça, deve fazer o que ele exige e evitar o que o prejudica.
– Penetrar as ordens do amor é sabedoria; segui-las com amor é humildade.
– Demonstração de gratidão restaura e reequilibra o fluxo amoroso.
– O dar e o receber são governados pelo amor.
– Quem está em harmonia não luta.
– A grandeza está no trivial do cotidiano e dos relacionamentos.
– Todos nós estamos emaranhados, cada qual ao seu modo.
– Pode-se sempre confiar no amor.
– Sofrer é mais fácil do que encontrar soluções.
– Eu me submeto à realidade tal como ela se apresenta.
– Quem se considera bom demais pra ficar zangado, acaba com o relacionamento.
– O ser está além da vida.
– O triunfo é a renúncia ao sucesso.
– Os donos da verdade não se preocupam em saber a verdade.
– Os pecados também tem consequências positivas.
– Os filhos pertencem aos pais.
– A sexualidade é maior do que o amor.
– A indignação não traz nada de positivo.
– A felicidade é uma conquista da alma.
Agradeço ao mestre Bert Hellinger, à Amneris Maroni, minha eterna orientadora e às minhas mestras em CF Denise Borges, Eunice Brito e Zaquie Meredith, suas discípulas no Brasil e, especialmente ao Renato ShaanBertate, meu mestre atual, que herdou o talento de Hellinger inteira e visceralmente.
Bibliografia:
(1) Constelações Familiares – o reconhecimento das ordens do amor, Bert Hellinger e Gabrielle tenHöven
(2) A simetria oculta do amor, Bert Hellinger, Ed. Cultrix
(3) As ordens do Amor, Bert Hellinger, Ed. Cultrix
(4) O amor do Espírito, Bert Hellinger, Ed. Atman
(5) El Rio nunca mira atrás, Ursula Franke, Gulaab, Madrid, Espanha, 2011
(6) A presença do passado, Rupert Sheldrake, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, 1988, 1995
(7) Jung: individuação e coletividade, Amnéris Maroni, Ed. Moderna, SP, 1999
(8) www.wikipédia.com.br