Helio Alcantara Pinto é canceriano, jornalista esportivo, poeta, escritor, pai de três filhos e louco por futebol. Vocacional entrevistou o jornalista durante a Copa do Mundo, que gentilmente atendeu à nossa solicitação. Confira abaixo sua simpatia, sua rica trajetória, cheia de aventuras futebolísticas.
Voc – Olá, Helio, é um prazer tê-lo aqui no nosso site. Obrigada pela gentileza de nos ceder essa entrevista. Primeiramente, gostaria de saber em que bairro de São Paulo você cresceu, que escolas frequentou e se você pensou em fazer algo diferente de jornalismo, antes de entrar pro jornalismo?
HAP – Nasci poeta e paulistano, no bairro do Cambuci. Filho de pais nordestinos (mãe paraibana e pai cearense), nossa vida era bastante simples e dura – em ambos os sentidos.
Os primeiros quatro anos de escola foram divididos em duas instituições: no colégio particular Batista Brasileiro (Perdizes) e na escola pública Dom Pedro II (Barra Funda). Fiz o “Cursinho da Dona Marina”, que preparava as crianças durante o ano para prestarem o exame admissional no Colégio de Aplicação, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da USP. Entrei no “Aplica” e lá fiz todo o antigo Ginasial (5ª à 8ª série). Saí do Aplicação e em 1972 estava cursando o primeiro ano colegial do Equipe, uma das experiências mais ricas e preciosas da minha vida. Explico.
Os professores proprietários do Colégio Equipe só tinham expertise em cursinhos pré-vestibular, de modo que o ano de 72 foi peculiar, recheado de tentativas, erros e acertos. E o mais importante: eles nos davam liberdade e dividiam conosco algumas propostas educacionais, lembrando bastante a inglesa Summerhill, uma das mais revolucionárias experiências educacionais do Ocidente, ocorrida a partir de 1921, na região de Suffolk.
O Colégio Equipe, onde fiz todo o Colegial, foi um marco em minha formação como homem e confirmou meu fascínio pela escrita e pela história humana. Tanto que minha primeira opção vocacional, quando ainda cursava o 2º ano, foi Antropologia.
Voc – Sabemos que você é um apaixonado por futebol e que quando jovem teve a oportunidade de trabalhar com o Osmar Santos. Foi o seu primeiro emprego? Como foi, conta pra gente…
HAP – Antropologia me interessava, Música me atraía, Jornalismo me espreitava. Mas o que me encantava mesmo eram duas coisas: escrever poemas e jogar bola. E eu jogava muito bem, marcava muitos gols. Fiz vários testes em alguns clubes profissionais, mas não consegui ser aprovado em nenhum.
Olhei então para o Jornalismo. E o que me levou até ele foi a escrita. Um amigo jornalista chamado Sérgio de Souza (um dos maiores textos que este país já teve) me chamou para integrar a equipe de jornalismo da Rádio Nacional, que um ano mais tarde viraria Rádio Globo. Fiquei lá alguns meses e não gostei – achava o trabalho chato. O que me “salvou” foi a chegada da dupla Osmar Santos e Edison Scatamachia, que comandariam uma das melhores equipes do rádio esportivo brasileiro de todos os tempos.
Entrei no curso de Comunicações da FIAM (Faculdades Integradas Alcântara Machado) e fui me enfronhando no trabalho profissional, como redator, produtor e, afinal, repórter. Me apaixonei pelo Rádio.
Enquanto trabalhava na rádio e cobria todos os esportes, continuava jogando futebol. Uma bela noite, quando conversava com dois amigos, escutei de um deles: “Se eu jogasse futebol como você, já estaria no exterior jogando e ganhando dinheiro.”
Nessa época já fazia cinco anos que eu trabalhava na Globo e já não mostrava muita paciência em esperar a “minha vez”, para começar a fazer viagens internacionais e cobrir os principais eventos mundiais. Falei com a dupla Osmar-Scata e os comuniquei minha decisão: “Descolei uma universidade em San Diego, Califórnia, que vai me dar uma bolsa de estudos em troca do futebol. Estou indo.” Scata achou uma loucura, Osmar me empurrou: “Vá mesmo, tem de ir atrás do que gosta.”
Voc – E então?
HAP – Vendi minhas coisas, arrumei as malas e entrei no avião. Ao chegar lá deu tudo errado. A escola havia me enganado e já não havia bolsas de estudos – ela queria meu dinheiro, um dinheiro que eu não tinha.
A vida então tratou de colorir meus dias e noites californianos. Arrumei trabalho em um escritório de barcos e aprendi a fazer o acabamento, a pintar e a envernizar os veleiros de madeira. Me tornei um excelente envernizador, com o segundo maior salário do Spindrift Yachts. Conheci um inglês, que me convidou para defender o time amador Newport Beach Soccer Club, então o campeão regional da Califórnia. Disputando o campeonato de futebol da liga, passei a ser convidado por outros times. Jogava três vezes por semana e trabalhava apenas de calções, sob o sol da Califórnia, de segunda a sexta. Além disso, participava eventualmente de recitais de poesia em Laguna Beach. Minha vida estava perfeita.
Um ano e meio mais tarde senti a necessidade de construir outras emoções. E voei para Atenas. Na Grécia, fiz testes em dois clubes. Passei no segundo, que ficava em Patras, no outro lado do país. Mas fui enganado pelo “empresário” e subi de trem para Portugal, atravessando Itália, França e Espanha.
Em Lisboa, assim que cheguei, fui parar em uma pensão familiar. Um hóspede, dono de uma cerâmica famosa do norte do país, se “encantou” comigo – nunca me havia visto jogar! – e me levou de caminhão para Galegos de São Martinho, uma vila portuguesa tradicional e bastante conservadora. Fui recebido como se fosse o Maradona (rs), mas não consegui defender a equipe da fábrica em campeonatos, pois tive problemas com os documentos. Quando consultada, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) disse que em seus registros não constava nenhum jogador com meu nome. Claro, toda a minha “vida de jogador de futebol” havia sido construída fora do Brasil! (rs)
Entrei em um ônibus e desembarquei no Algarve, sul do país. Entre centenas de barcos, estava de novo em casa. Morei em um veleiro português, depois em um francês, trabalhei em vários outros e fui campeão defendendo a equipe da Marina de Vilamoura. Ali, no interior de um barco chinês maravilhoso, recebi o primeiro convite formal para realizar testes em dois clubes profissionais de primeira grandeza: Sporting Lisboa e F.C. do Porto me ofereceram uma semana de testes, com tudo pago. E o mais incrível ocorreu. Agradeci e disse aos dois emissários: “Estou bem aqui, entre os veleiros. Vou jogar futebol apenas por prazer.”
Minha namorada inglesa e eu estávamos cansados do cotidiano na Marina de Vilamoura. E decidimos atravessar o Atlântico Norte na direção do Caribe. Com mais um casal, dono do veleiro, embarcamos em uma aventura absolutamente inesquecível e enriquecedora. Deixamos o Algarve, fizemos uma escala nas Ilhas Canárias e um mês depois chegamos a Barbados.
Descemos até o Brasil, ficamos uns meses e voltamos para Portugal. Pouco depois viajamos à Inglaterra, onde trabalhei em uma fábrica de congelados e ainda joguei um pouco de futebol em Wroxham, Norfolk.
Depois de três anos caminhando pelo planeta, senti que o Jornalismo me chamava. E voltei ao Brasil.
Voc – Uau! Que experiência maravilhosa! E depois disso, onde mais você trabalhou?
HAP – A partir daí foi uma sucessão de veículos da mídia eletrônica e impressa. Rádios Record, Gazeta e Eldorado, TVs Globo, Cultura, Gazeta e CNT, O Pasquim (São Paulo), revistas Placar, Boa Forma, Teen, Caros Amigos e inúmeras outras publicações.
Desempenhei todas as funções no Jornalismo (esportivo e geral): produtor, redator, repórter, editor-chefe, chefe de pauta, chefe de reportagem, chefe de redação, apresentador, roteirista e diretor. Meu último trabalho fixo foi na TV Cultura, quando chefiei o Esporte e dirigi um programa de memória (Grandes Momentos do Esporte) por onze anos.
Trabalhei também como tradutor de reportagens (inglês-português), professor de inglês e ainda tive a honra de traduzir os termos náuticos de um livro de Joseph Conrad (“O Cúmplice Secreto”), nos anos 1980.
Voc – E hoje em dia, pra que veículos você trabalha ou presta serviços? Voce prefere trabalhar em TV, né? Voce trabalha em casa? Como é o seu dia a dia?
HAP – Atualmente tenho uma empresa de produções cinematográficas, que presta serviços para a Ancine, via TV Brasil. Nossa equipe está produzindo um levantamento importante e inédito da grade de programação de todas as televisões públicas do país (universitárias, comunitárias e educativas e culturais). O próximo passo será o lançamento dos editais de uma nova linha de financiamento para produção de conteúdos destinados a essas televisões. Trabalho árduo e minucioso. Adoraria trabalhar em casa, mas “não vivo” sem estar perto de uma redação. Nosso escritório (Unidade Técnica Central) está localizado fisicamente na TV Brasil, em São Paulo.
Voc – Como um apaixonado por futebol, pra que time você torce?
HAP – Sou Flamengo e Santos, times cujas camisas (ao lado da do Cruzeiro) são as mais belas do planeta bola!
Voc – E você ainda joga futebol regularmente?
HAP – Jogo futebol com meus filhos (são três, todos boleiros) e com os amigos deles. E jogo tênis, esporte mais adequado aos meus 58 anos. (rs)
Voc – Sabemos também que você é escritor e poeta. Voce pode nos contar um pouco desse lado de sua expressão? Quais livros você já escreveu?
HAP – Tenho quatro livros que vêm sendo escritos concomitantemente em meu computador – todos aguardam a conclusão para ser lançados.
Publiquei dois livros: “Viveiro” (1981), de poesia, e “Ponta de Lança – a história de um brasileiro que foi jogar bola nos EUA e descobriu o mar” (Barcarola, 1997), romance juvenil e autobiográfico, que narra os três anos de bola e mar pelo planeta.
Publiquei crônicas na revista “Caros Amigos” por quase dez anos e tive uma página sobre as questões ambientais no semanário “O Pasquim”, de São Paulo.
Escrevo eventualmente para o blog “Literatura na Arquibancada”, do meu amigo André Ribeiro, pesquisador e jornalista. Tenho escrito histórias infanto-juvenis e participado do trabalho importante da Professora Katia Rúbio, que se impôs uma tarefa árdua: contar a história de todos os atletas brasileiros – campeões ou não – que disputaram uma olimpíada. Em breve teremos uma enciclopédia.
Voc – Falando um pouco de Copa do Mundo… você foi à abertura dos jogos lá no Itaquerão? Vai assistir a algum jogo ao vivo?
HAP – Pode parecer contradição, mas não é. Trabalhei em várias Copas e não me interessei em ir aos estádios neste Mundial caseiro – queria mesmo era levar meus filhos menores. Mas não deu. No ano passado, levei todos eles à Fonte Nova, em Salvador, para a decisão do 3º lugar da Copa das Confederações, entre Itália e Uruguai. Fico muito feliz ao ver o encantamento estampado nos olhos deles.
Voc – Voce deve estar torcendo para o Brasil ganhar, né? Sabemos que muitos, senão todos os brasileiros, vão torcer pela vitória do Brasil. Mas será que ganhar essa Copa não legitima esse governo que está aí, automaticamente? Do que teriam valido as manifestações sociais e públicas que tivemos no ultimo ano, se agora a vitória na Copa pode garanti-lo e defini-lo como vencedor nas próximas eleições?
HAP – Não acho que conquistar a Copa do Mundo “legitima” qualquer governo. Se isso fosse verdade, a ditadura militar brasileira (uma das mais brutais e sangrentas da História), capitaneada por Emílio Garrastazu Médici, teria sido “legitimada” pelo tri brasileiro conquistado no México, em 1970, por uma das seleções mais espetaculares de todos os tempos.
Não sei o que vai acontecer aqui após a Copa. Imagino que quando a competição terminar – ou se/quando o Brasil for eliminado –, as atenções se voltarão novamente para os protestos nas ruas.
Parece claro que a postura do brasileiro começa a mudar. A maturidade política ainda vai demorar, mas já estamos vivendo o início dessa transformação.
Voc – Mas se o Brasil ganhar, você não acredita que isso reeleja a Dilma automaticamente? Voce vai votar nela?
HAP – Não sei ainda em quem irei votar. Ao olhar para a classe política, me sinto insultado.
Voc – Sabemos que nas últimas Copas do Mundo, os países que as sediaram gastaram em torno de US$ 10 bilhões. O Brasil vai gastar US$ 35 bilhões. Voce acha que esta copa está comprada e o que Brasil ganha de qualquer jeito? Ou é intriga da oposição?
HAP – Não acho que a Seleção Brasileira “ganha de qualquer maneira” – aliás, com o futebol que jogou até as oitavas-de-final, não terá sido surpresa uma eventual eliminação. Sei apenas que há uma “recomendação” velada da FIFA aos árbitros dos Mundiais, de que “na dúvida, não contrariem os donos da casa (país anfitrião)”, o que pode ser visto como uma “pressão sutil”. (rs)
Aproveito o espaço para dizer que a FIFA é uma das entidades mais nocivas ao mundo do futebol. Seus dirigentes vivem envoltos em denúncias de corrupção e nem sempre desenvolvem o futebol no planeta.
Voc – Você não acha que o Lula sabia muito bem que este seria o ano de reeleição da Dilma e que pleiteou a possibilidade dessa Copa do Mundo ser aqui, justo porque caía como uma luva?
HAP – Acho que o Lula é uma figura bem mais complexa e historicamente importante do que as classificações que o têm acompanhado nos últimos tempos.
Voc – E quais são seus planos e projetos futuros?
HAP – Meus planos? Viver um dia de cada vez.
Voc – Pra finalizar, quais são as dicas que você pode dar para jovens que estão em fase de decisão pela carreira de jornalismo, ou melhor, de jornalismo esportivo e áreas afins?
HAP – A dica é uma só: vá atrás do seu sonho e não desista até encontrá-lo. Nesta vida temos de trabalhar em algo que nos dê muito prazer e alegria sempre. Caso contrário, a vida fica um saco. Se você quer ser jornalista, não frequente a sala de aula, e sim as ruas – a reportagem é a alma do jornalismo.
Voc – Muito obrigada, Helio. Foi um prazerzão entrevistá-lo e poder tê-lo aqui conosco.