BEATRIZ HELENA RAMOS AMARAL, nascida em São Paulo. Poeta, ensaísta, musicista, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. 10 livros publicados nos gêneros poesia, ensaio, romance, teoria literária. Promotora de Justiça do Estado de São Paulo, ingressou por concurso de provas e títulos em janeiro de 1986. Promotora de Justiça de Primeira Instância de 1986 até 2009. Em 2009, promovida para a Segunda Instância, assumindo o cargo que exerce até o momento, Procuradora de Justiça da Procuradoria Criminal do MP de São Paulo. Formada em DIREITO pela USP em 1983. Formada em Música pela FASM em 1985. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP (2002). Tem proferido palestras sobre sua própria produção literária e também sobre a obra literária de Edgard Braga.
Voc: Olá, Beatriz querida, é um prazer e uma honra tê-lo(a) conosco aqui no site Vocacional
BA: E para mim também.
Voc: Pra começar, conte pra nós o que é que você faz hoje e como.
BA: Sim, atuo profissionalmente numa só área, exclusivamente no Ministério Público do Estado de São Paulo, em que entrei, assumindo o cargo de Promotora de Justiça Substituta, em janeiro de 1986. Mas também sou escritora, tendo publicado meu primeiro livro em 1981, e já com outros dez livros publicados, de gêneros diversos (poemas, ensaio, teoria literária, romance).
Voc: E você sempre trabalhou nessa área do direito, ou chegou nesse estágio com o tempo e a experiência? No caso de ter feito um concurso, conte como chegou a se decidir por ele e porquê?
BA: Ingressei no Ministério Público do Estado de São Paulo por concurso de provas e títulos, que é a única forma de se ingressar na instituição como membro. Exerci as seguintes funções: Promotora de Justiça Substituta em 1986/1987; Promotora de Justiça Titular de Primeira Entrância, Comarca de Santa Adélia, em 1987; Promotora de Justiça Titular de Segunda Entrância, Comarca de Franco da Rocha, em 1987/1988; Promotora de Justiça Titular de Terceira Entrância, Comarca de Osasco, em 1988/1989; Promotora de Justiça de Entrância Especial – Comarca da Capital do Estado, de 1990 a 2009. Em 2009, fui promovida para Segunda Instância, passando a atuar perante o Tribunal de Justiça.
Antes do concurso, advoguei por dois anos na Capital (1984/1985). Neste momento em que advoguei, eu ainda concluía a Faculdade de Música, que sempre desejei completar, pela alta qualidade cultural que oferecia.
Quanto à decisão, a mais difícil foi sobre qual Faculdade deveria fazer. Eu me interessei sempre por cursar Jornalismo, Letras, História e Música e também pensei em Biologia e em Psicologia. No 2º ano do Curso Colegial, prestei vestibular para Letras na USP e fui aprovada em primeira chamada. Não pude cursar porque ainda não tinha o segundo grau completo.
Mas, ao chegar ao 3º ano do colegial, já em 1978, decidi-me por Direito.
MAS TUDO FOI DIFERENTE DENTRO DA FACULDADE DE DIREITO. Desde o segundo ano do Curso, destaquei-me como excelente aluna de Direito Penal, disciplina de que sempre gostei muito. Depois, também fui ótima aluna de Processo Penal. Devido a essas facilidades de aprendizado nessas áreas e ao conhecimento da variedade de funções do Ministério Público, ao estudar sua legislação, nas aulas de Direito Administrativo, tive a certeza de que seria a única carreira jurídica, pela relevância social e abrangência de funções e de sua natureza, em que eu me sentiria bem atuando.
Voc: E qual é a sua formação universitária?
BA: Como já respondi acima, sou formada em Direito pela Faculdade de Direito da USP – largo São Francisco, em 1983, tendo me especializado em Direito Penal e Criminologia. Também cursei paralelamente a Faculdade de Música (FASM), bacharelando-me 1985 em Instrumento (Violão Erudito). E, entre 2002 e 2005, cursei meu Mestrado em Literatura e Crítica Literária na Pontifícia Unidade Católica de São Paulo – PUC-SP, defendendo a dissertação “A Transmutação Metalinguística na Poética Contemporânea”, que, depois, publiquei em livro.
Voc: E quando vc era jovem e estava em fase de decisão de curso, faculdade ou carreira, vc teve alguma dúvida por outro caminho? Se vc teve, qual foi e o que o (a) fez decidir pelo Direito?
BA: Já respondido acima. Prestei vestibular para Direito, Letras e Música e ingressei nas 3 faculdades – Direito na USP; Letras na PUC e Música na FASM. Tranquei a Faculdade de Letras e cursei e me bacharelei em DIREITO e em MÚSICA. A opção profissional pelo Direito se deu pelas seguintes razões: a) sempre fui entusiasta defensora da Justiça – não tolero injustiças; b) sempre tive facilidade para escrever; b) jamais desejei dar aulas, lecionar – e, cursando Letras, este seria um caminho mais natural.
Hoje faço palestras e ministro alguns cursos. Mas não gostaria de tê-lo feito por décadas. Sempre busquei a independência, e quis abraçar uma profissão onde pudesse agir de acordo com a lei e com a minha consciência.
Voc: E você pode nos contar um pouco sobre a sua universidade, seu curso especificamente e sobre a qualidade de sua formação?
BA: Os cursos foram muito bons, felizmente, porque, na década de oitenta, realmente, havia boa qualidade nas escolas em que estudei. Na USP, por exemplo, tive o imenso privilégio de ter sido aluna de CELSO LAFER, MIGUEL REALE JR., IVETTE SENISE FERREIRA, DALMO DALLARI, MANOEL FONÇALVES FERREIRA FILHO, JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO, MANOEL PEDRO PIMENTEL, PAULO JOSÉ DA COSTA JR., ADA PELLEGRINI GRINOVER – grandes juristas. E, sempre que possível, ia assistir aulas do extraordinário Prof. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ, um dos maiores juristas de sua geração. Na Faculdade de Música, também lecionavam os Maestros Hans Joachin Koeullreuter e Juan Serrano, Naomi Munakata, por exemplo, os compositores Eduardo Escalante, Osvaldo Lacerda, Conrado Silva, além dos excepcionais músicos Clea Galhano, Silvio Santisteban, Terão Chebl.
Voc: Beatriz, por favor, conte pra gente como foram seus primeiros anos de atividade na área do Direito? Em quais profissionais ou modelos você se inspirava?
Nos primeiros anos de atividade jurídica profissional, inspirei-me nesses mestres listados acima e também nos advogados EURICO DE ANDRADE AZEVEDO e TEÓFILO RIBEIRO DE ANDRADE FILHO, ambos mestres, com os quais fiz estágio (e advoguei). Na carreira, nos primeiros anos, dois Promotores de Justiça de minha geração – aos quais sucedi – também me inspiraram muito: os Drs. CARLOS EDUARDO FONSECA DA MATTA e HERMANN HERSCHANDER, pela qualidade excepcional de seu trabalho no MPSP.
Quanto à literatura, sempre tive fascínio pela obra de João Cabral de Melo Neto, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Clarice Lispector, Graciliano Ramos e Machado de Assis. A eles somou-se, um pouco mais tarde, João Guimarães Rosa.
Voc: Você pode dizer que teve um grande desafio, caso, momento, experiência ou fase que tenha sido muito marcante na sua carreira?
BA: Os desafios são vários – foram vários e são vários – e indicá-los geraria um bom romance. Um dos desafios que ainda enfrentamos, todos os colegas, e que eu enfrento, constantemente, é o excessivo volume de serviço. Posso, ainda, destacar que, há uns dezessete anos, vivi o momento mais difícil. Juridicamente, administrativamente, emocionalmente. O cargo que eu ocupava era muito procurado, muito visado, muito disputado. Havia – em certo local de trabalho – ambiente de flagrante animosidade entre todos. Este período durou quase dois anos e foi uma lição de vida. Mas trabalhei muito bem, modéstia a parte, e só recebi elogios. O ambiente é que era hostil. Hoje, tudo isso se reduz a duas palavras: águas passadas. Foi exceção. Nos demais vinte e oito anos de carreira, somente ambientes bons.
Voc: Há algum outro evento marcante ou importante da carreira que vc gostaria de nos contar?
BA: Dois: Um deles – o fato de eu ter recebido, num só ano, dois Prêmios no CONCURSO MELHOR ARRAZOADO FORENSE – referente aos anos de 1991 e 1992. O outro: o fato de eu ter descoberto uma sequência de gravíssimos crimes em um estabelecimento destinado a menores carentes. Efetuei sérias vistorias, ingressei com ação e o estabelecimento foi fechado, e as crianças, removidas para locais em boas condições. Deu muita satisfação ter atuado nesta questão – e completamente sozinha.
Voc: Conte pra nossos internautas como é o seu cotidiano? Você trabalha só, tem uma equipe, faz parte de uma equipe?
BA: Já fiz parte de muitas equipes. Mas só para efeitos de organização. O trabalho de um Promotor de Justiça e de um Procurador de Justiça, decorrência natural da carreira, é bastante solitário – o que, para mim, é bom – gosto de independência total no que diz respeito ao trabalho. Temos reuniões coletivas, normas a seguir, eventuais grupos de trabalho, mas o exercício das funções é completamente individual. Tive alguns estagiários. Ao longo de quase 30 anos de carreira tive uns sete estagiários, cada um trabalhando de seis meses a um ano.
Voc: Tem alguma outra área do Direito que vc gostaria de atuar ou de ter atuado? Ou até mesmo outra atividade na qual atua ou gostaria de atuar?
BA: Outra área do direito: DIREITO PÚBLICO, REGISTROS PÚBLICOS, DIREITO ADMINISTRATIVO. MAS GOSTO IMENSAMENTE MAIS DE DIREITO PENAL, COMO JÁ DISSE. TAMBÉM GOSTO DE DIREITO DE FAMÍLIA – FUI PROMOTORA DE FAMÍLIA EM TRÊS OPORTUNIDADES.
Voc: Como é o seu lazer?
BA: MEU LAZER ENVOLVE ARTE, PRINCIPALMENTE MÚSICA e LITERATURA – escrevo, leio, vou a lançamentos de livros dos amigos, assisto palestras, faço palestras – então, acaba sendo mais trabalho. APRECIO, COMO LAZER, ESPECIALMENTE FICAR AO AR LIVRE, AO SOL. COMO BOA SAGITARIANA, GOSTO DO VERÃO, DE PRAIA, AREIA, MAR, PISCINA, E TAMBEM do CAMPO. Mas já não viajo tanto quanto gostaria por conta do excesso de obrigações pessoais. Também gosto imensamente de cinema – mas cinema de arte. Não suporto cinema puramente comercial. Sempre fui fiel fã de Fellini, Bergman, Costa-Gravas, por exemplo. E gosto muitíssimo de Abbas Kiarostami.
Também gosto muito de certos jogos mais antigos, como xadrez e cartas. Jogava muito na juventude e no início da maturidade. O excesso de trabalho e a escassez de tempo me levaram a abandonar esse gosto.
Voc: Quais são seus projetos futuros?
BA: Nesta fase de minha vida, não tenho planos. Já tive. Sempre tive planos de escrever mais ficção. Mas, agora, deixo-me levar. Passo por uma experiência de transição e meu único desejo é ter paz, saúde e estabilidade emocional. E ter mais tempo para mim mesma e para meu desenvolvimento espiritual. Somente isso.
Voc: Vc tem alguma dica ou conselho que vc possa dar pra alguém que está escolhendo, estudando ou ingressando nessa área, ou tudo isso junto?
BA: Que cada um siga sua vocação e sua consciência. Que seja verdadeiro, firme e jamais abandone suas convicções. Que cada um trabalhe com dignidade, coragem, vontade e com força de vontade.
Voc: Muito obrigada, Beatriz, por seu tempo e simpatia.