Silvia Meirelles, advogada, magistrada (juíza), atualmente juíza substituta em Segundo Grau, equivalente a Desembargador, formada pela São Francisco e amante profunda de sua carreira. Não perca essa generosa entrevista, onde Silvia nos conta casos interessantes, narra detalhes das carreiras públicas do Direito e revela sua paixão pelo exoterismo.
Voc: Olá, cara Silvia, é um prazer e uma honra tê-la conosco aqui no site Vocacional.
SM: O prazer é meu.
Voc: Pra começar, conte pra nós o que é que você faz hoje e como.
SM: Sou magistrada, atuo na área do Direito Público (que abrange Direito Tributário e Financeiro em Ações contra o Estado e o Município, Ações de Improbidade Administrativa, desapropriações, ações de funcionários públicos, etc.) e, atualmente, encontro-me judicando em segundo grau, na função de Juíza Substituta em Segundo Grau, em cargo equivalente ao de Desembargador.
Voc: E você sempre trabalhou nessas áreas, ou chegou nesse estágio com o tempo e a experiência? No caso de ter feito um concurso, conte-nos como chegou a se decidir por ele e porque?
SM: Não. Os magistrados, ao ingressarem na carreira, após um difícil e rigoroso concurso público, ocupam o cargo de juízes substitutos em primeiro grau e judicam por algum tempo em todas as áreas: crime, família, empresarial, infância e juventude, júri, cível em geral, fazenda pública, etc.
O estágio em que me encontro agora é decorrente da progressão natural da carreira.
Durante a carreira participamos de promoções, as quais são realizadas pelos critérios de antiguidade (tempo de carreira) e merecimento. Por meio destas promoções saímos do cargo de juiz substituto para o de juiz de direito, passando por entrâncias até chegar ao cargo máximo da carreira que é o de Desembargador do Tribunal de Justiça.
Desde quando resolvi prestar vestibular para Direito, eu já havia decidido que queria ser juíza.
Isto porque eu havia feito um curso técnico de jornalismo, propaganda e publicidade no colegial e cheguei a trabalhar muito com jornalistas. Neste trabalho eu descobri que, infelizmente, o jornalista não pode escrever aquilo que realmente pensa, mas sim, aquilo que os donos dos jornais querem e acabei me decepcionando muito.
Eu sempre pretendi atuar na sociedade a fim de melhorá-la e trazer justiça social. Vi que no jornalismo não teria chance de fazer isto. Por isso, resolvi que queria uma carreira onde eu pudesse escrever e decidir aquilo que eu pensava e, dentre as carreiras jurídicas, a mais independente e que permite que você decida aquilo que pensa e atue efetivamente no meio social que é a magistratura. Por isso optei por essa carreira. Sempre fui muito independente em minhas ações e pensamentos. Sempre fui livre. A magistratura proporciona isto porque quando você pergunta para algum colega magistrado como ele decidiria uma determinada causa, ele sempre vai responder: na minha opinião eu acho isto, mas você deve decidir conforme a sua convicção e interpretação da lei.
Não podemos fugir da lei, é claro. Mas temos a liberdade de interpretá-la conforme as nossas convicções jurídicas.
Desde o primeiro momento em que ingressei na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, amei aquilo tudo. Amo até hoje o que eu faço.
Acho que a carreira profissional é um casamento para a vida toda. Por isso, devemos escolher fazer aquilo que amamos. Podemos fazer qualquer coisa que quisermos na vida, desde que o façamos com amor, teremos a vontade e dedicação necessárias para sermos bons profissionais.
Não foi fácil chegar a ser magistrada. Prestei quatro concursos públicos porque no meu tempo os juízes não queriam mulheres na carreira. Passei no quarto e sou muito feliz.
Voc: E qual é a sua formação universitária?
SM: Direito.
Voc: E quando você era mais jovem e estava em fase de decisão de curso, faculdade ou carreira, você teve alguma dúvida por outro caminho? Se teve, qual foi e o que a fez decidir pelo Direito?
SM: Eu tive muita dúvida. Como eu tinha que decidir o que fazer aos quinze anos de idade, uma vez que teria que cursar um colégio técnico, minha mãe me levou para fazer um teste vocacional na época. Neste teste deu em primeiro lugar a área de humanas, em segundo, biomédicas e em terceiro, exatas. Foi quando eu fui fazer jornalismo e publicidade no colegial técnico.
Voc: E você pode contar pra gente um pouco sobre a sua universidade, seu curso especificamente e sobre a qualidade de sua formação?
SM: A Faculdade de Direito é bárbara. Os professores eram maravilhosos e supercultos. Os tempos de faculdade são inesquecíveis. É a melhor fase da vida da gente. Eu passei pela faculdade na época em que o Brasil transitava do regime militar para a democracia que conhecemos hoje. Lutamos pelas Diretas Já. Eu estava na Praça da Sé neste dia. A São Francisco é muito politizada e eu participava de todos os movimentos políticos da época, incluindo nisso as eleições para o Centro Acadêmico XI de Agosto.
Mas não pense que minha vida era fácil não.
Eu trabalhava como escrevente no Tribunal de Justiça e ganhava muito pouco. A inflação (altíssima na época) corroía todo o meu salário. Eu saia de casa às 7:30 hs para a faculdade, de lá, saia as 12:00 hs e batia cartão no TJ, saia de lá às 19:00 e chegava em casa às 19:30hs. Nos finais de semana eu limpava a quitinete onde morava (que era do meu avô), fazia a feira, o supermercado, a comida para a semana e armazenava no congelador da geladeira. Lavava a roupa e estudava. Não foi mole. Tudo muito difícil. O dinheiro era muito curto. Mas tudo deu certo.
A São Francisco, no último ano de faculdade, oferecia, naquela época, cinco áreas de especialização: cível, empresarial, criminal, trabalhista e área livre (que envolvia as primeiras quatro áreas ao critério de escolha do aluno).
Eu optei pelo direito penal naquela época, sendo esta a minha área de formação final.
Mas na magistratura do Estado atuamos em todas essas áreas (exceto a trabalhista, que tem justiça especializada), com o tempo é que vamos descobrindo aquilo que gostamos mais e nos especializando naquela área.
Eu sempre tive vocação para o direito público (tanto que fiz penal no último ano) e sempre gostei de questões envolvendo os direitos de Estado. Por isso, ao final de minha carreira, acabei me especializando em direito público, como juíza das Varas da Fazenda Pública e, agora, no Tribunal, na Seção de Direito Público.
Voc: Silvia, por favor, conte pra gente como foram seus primeiros anos de atividade na área do Direito? Em quais profissionais, artistas ou modelos você se inspirava?
SM: Meus primeiros anos foram bem difíceis. Eu era escrevente já há cinco anos e queria prestar concurso, mas, para isso, precisava estudar muito. Era incompatível trabalhar oito horas por dia e estudar o número de horas que eu precisava na época. Por isso, tive a sorte de poder contar com a colaboração de meu irmão que me ajudou a pagar as prestações e o condomínio do apartamento onde morávamos; consegui uma bolsa num cursinho especializado e me afastei do trabalho para me dedicar somente aos estudos. Estudava 16 horas por dia. Mas quando estudamos muito, fica difícil ter a tranquilidade necessária para passar no concurso. Somente depois de dois anos de estudos, é que consegui passar no magistratura estadual como eu queria. Antes disso eu havia passado em um concurso para a procuradoria do município de São Paulo, mas não havia sido chamada ainda. Mas, quando eu passei na magistratura estadual, eu já estava mais relaxada e, por isso, estava prestando concurso para outras magistraturas (como a trabalhista) e também estava advogando. Eu pedi exoneração de meu cargo de escrevente e fui advogar nesse meio tempo. Precisava ganhar dinheiro. Não dava para ficar só estudando. E, por ironia do destino, na mesma semana em que saiu meu nome publicado no Diário Oficial me chamando na magistratura estadual, eu fui chamada na magistratura trabalhista e também na procuradoria. Optei pelo que eu queria, mesmo ganhando menos. Era o que eu gostava e gosto até hoje.
Voc: Voce pode dizer que teve um grande desafio, caso, momento, experiência ou fase que tenha sido muito marcante na sua carreira?
SM: Tudo na carreira de um juiz é muito desafiante. O magistrado enfrenta problemas complexos o dia inteiro. Já começa pela necessidade de aprender a se concentrar no trabalho, mesmo sendo interrompido inúmeras vezes durante o expediente forense. Depois, pelo excesso de trabalho e inúmeros processos que temos que resolver diariamente. Mas creio que o caso mais marcante que tive em minha carreira foi quando eu dei uma liminar para que os bens do Maluf fossem arrestados na Suíça, mesmo sem ter qualquer possibilidade de arresto. Foi uma liminar concedida com base em minha pura intuição. Eu tinha certeza que ele tinha as empresas “testa de ferro” na Suíça e que tinha muito dinheiro lá. O Tribunal manteve a minha liminar e como resultado foram encontrados milhões de dólares desviados das obras das desapropriações do Águas Espraiadas. Eu saí da vara depois, pela evolução própria da carreira, e não sei o que deu o processo. Mas ele teve que repatriar todo o dinheiro do qual se apossou.
Voc: Há algum outro evento marcante ou importante da carreira que você gostaria de nos contar?
SM: Outro caso foi uma ação que impediu a construção de um posto de gasolina na Serra da Cantareira, que é uma área de proteção ambiental e, finalmente, um outro foi o desbancamento de uma licitação fraudulenta, na qual eu quebrei todo o esquema do pessoal e impedi uma grande roubalheira de dinheiro público.
Voc: Conte pra nossos internautas como é o seu cotidiano? Você trabalha só, tem uma equipe, faz parte de uma equipe?
SM: Atualmente eu tenho uma equipe de trabalho. São três assistentes e três escreventes. Porém, eu sou minuciosa e vejo tudo e também refaço muitos votos. Isto acaba me cansando, mas vale a pena.
Voc: Tem alguma outra área do Direito que você gostaria de atuar ou de ter atuado? Ou até mesmo outra atividade na qual atua ou gostaria de atuar?
SM: Sim. Eu atuo na área do direito público em geral. Mas já atuei no meio ambiente. Atualmente há uma Câmara especializada em Meio Ambiente. É uma área que eu gosto, já atuei e gostaria de voltar a atuar. Outra área é a que envolve as ações diretas de inconstitucionalidade, que hoje são julgadas pelo Órgão Especial. Mas este órgão somente é acessível aos desembargadores, não aos substitutos como eu.
Voc: Como é o seu lazer?
SM: Adoro plantas. Gosto de jardinagem, faço muita leitura. Amo a Astrologia e gosto deste estudo também. Também aprecio leituras esotéricas. Faço Yoga, meditação e ginástica. E isto tudo me desestressa.
Voc: Quais são seus projetos futuros?
SM: Por enquanto eu pretendo continuar na carreira. Mas, quando me aposentar, pretendo me dedicar à área exotérica, que é outra paixão de minha vida.
Voc: Você tem alguma dica ou conselho que possa dar pra alguém que está escolhendo, estudando ou ingressando nessa área, ou tudo isso junto?
SM: Meu conselho é: o curso de Direito é maravilhoso e abre inúmeras oportunidades de carreiras para o indivíduo.
Ele nos traz uma visão muito clara de como funciona a política e o sistema jurídico do país. Para quem gosta dessa área, é muito bom. Também nos deixa conectados com as questões sociais mais profundas. Além disso, abre uma gama enorme de possibilidades profissionais: você pode ser advogado, procurador do Estado, procurador do Município, Defensor Público, Promotor Público, Magistrado, etc.
Além disso, ainda que você não faça nada disso, sairá muito melhor preparado para a vida do que você entrou. Dificilmente alguém vai lhe enganar.
Voc: Muito obrigada, Fulano (a) por seu tempo e simpatia.
SM: Eu é que agradeço a oportunidade de poder ajudar os nossos jovens.